Muitos anos atrás, um bebê nasceu numa pequena cidade mexicana de Hopi. O povo da cidade tinha esperado aquele nascimento com muito interesse, uma vez que o bisavô era irlandês, e a bisavó, negra; o avô era mexicano, e a avó, crioula; o pai era meio-índio, e a mãe, espanhola. O pequeno bebê tinha uma ascendência bastante mestiça e, por conseguinte, uma cor engraçada: uma mistura de branco e ouro, caramelo e café, não sabendo como chamá-lo, seus pais, por fim, lhe deram o nome de Willie. Logo após o nascimento, ele sofreu de pólio e ficou parcialmente paralisado do lado esquerdo.
Willie aprendeu cedo que as crianças podem ser muito cruéis com o que não compreendem. Na escola, riam de sua cor maluca, puxavam seu cabelo de cor ocre e, as vezes, chutavam sua perna coxa. Quando as crianças brincavam de cabo-de-guerra na festa da igreja, os colegas de sua equipe soltavam repentinamente a corda de form que só Willie era arrastado para a poça de lama. Mais tarde, na corrida de carrinho de mão, seu parceiro jogou Willie numa espinheira de pontas muito afiadas.
Naquela noite, a mãe de Willie deu-lhe um banho depois de ter retirado todos os espinhos e esfregou o corpo dolorido com um calmante óleo de babosa. Conforme ele adormecia, a mãe o acariciava com ternura e lhe falava mais uma vez, como fizera tantas vezes antes, sobre o grande El Shaddai e seu amor pelas criancinhas, como elas corriam para ele e nunca o queriam deixar.
Como o grande dia da festa religiosa se aproximava, Willie trabalhou duro em sua tarefa de alimentar Macho, o jumento do vilarejo, para juntar dinheiro. Na noite a festa, ele coxeou ansiosamente para a praça da vila onde todos estavam reunidos para a celebração. Os olhos dançavam enquanto via as barracas de algodão-doce, as belas senhoras em saias rodadas arqueadas, os cavalos do carrossel num sobe e desce, os sombreiros enfeitados dos homens, usados somente uma vez por ano, o palhaço colorido no terno listrado fazendo graça.
Willie estava perambulando, decidindo como gastar suas magras economias (se numa tortilla ou num tamale), quando seus olhos se depararam com uma velha carroça de madeira. Em um letreiro pendurado se lia: “o grande show dos remédios”. Quando Willie cautelosamente se aproximou, de repente o coração subiu pela garganta. Um homem alto, magro, ossudo, apeou da carroça, estendeu seus braços e preparou-se para falar.
Foi quando ele olhou diretamente para Willie. Sua face era castigada pelo sol, mas que olhos! Eles eram tristes, porém tão penetrantes, suaves e amáveis. O coração de Willie lhe disse imediatamente quem era esse homem. “É El Shaddai”, gritou Willie. O homem que cura sorriu. Sua face resplandeceu como um raio de sol e seus olhos dançaram alegremente.
– Aqui, irmãozinho – disse o homem.
Ele deu a Willie uma garrafa cheia de um liquido laranja brilhante.
– Esfregue três gotas sobre o coração toda noite, e coisas maravilhosas aconteceram a você.
Willie mexeu em seu bolso, pronto para oferecer tudo o que tinha por aquela garrafa, mas o homem disse:
– O que recebi gratuitamente, devo dar gratuitamente.
O homem sentou-se na carroça. Willie aproximou-se e timidamente perguntou:
– O conteúdo da garrafa vai endireitar a minha perna torta, senhor, e fazer minhas manchas desaparecerem?
O homem que cura o pegou e sentou sobre os joelhos. Willie agora estava assustado. Ele tinha medo de que o homem, quando visse sua pele de perto, risse como faziam todos os aldeões que o haviam apelidado de “Truta Malhada”.
Willie não estava preparado para o que aconteceria a seguir. O homem abraçou a cabeça do menino ao encontro do próprio coração. Ali estava tão quente e calmo que Willie pensou na lareira da sala da pequena casa onde vivia. Então sentiu gotas de chuva em sua cabeça e levantou os olhos para ver as lagrimas de compaixão caindo dos olhos do homem. Willie pensou imediatamente em sua mãe. Mas, até mesmo por ela, o menino nunca havia sido amado assim antes.
– Irmãozinho, qual é o seu nome?
– Willie.
A cabeça do menino de forma alguma se desgrudava do peito do homem, e ele ainda apertava a garrafa na mão.
– O meu remédio é tão poderoso, Willie, que não somente vai endireitar sua perna, mas endireitará todos os caminhos sinuosos e todos os corações tortuosos. Cada vale de dor será aterrado e cada montanha de orgulho, aplainada, e toda a humanidade verá a salvação de Deus.
Ele tocou o cabelo cor de ocre de Willie e o beijou levemente na testa.
– Você gostaria de compartilhar meu jantar comigo, Willie?
Em toda a sua vida, ninguém jamais havia convidado Willie para jantar. Na verdade, ninguém, a não ser sua mãe e seu pai, o chamara alguma vez para compartilhar coisa alguma. Sentimentos que Willie jamais soubera que existiam brotaram do seu coração. Todos o haviam empurrado para seu isolamento mais e mais profundo. Mas o homem quis compartilhar sua refeição com ele. E Willie partilhava de sua companhia com alegria. Pegou todo o dinheiro do bolso.
– Eu comprarei a sobremesa – anunciou Willie com satisfação. – Sorvete de limão, algodão-doce e biscoitos dente-de-leão!
Os dois comeram com prazer. Willie falou sem parar e o homem o ouviu em silêncio. Willie contou sobre o pai e a mãe, como a escola era dura, como ele desejava ter um amigo. Ele, então, encarou-o firme com seus olhos tristes e suaves, e teve coragem suficiente para perguntar:
– Você seria meu amigo, senhor?
– Eu sou seu amigo – respondeu o homem que cura.
Inesperadamente, uma sensação de frio tomou conta do coração de Willie. Ele nunca tivera um amigo. E se ele não soubesse como ser um amigo? O homem era tão generoso e bom, tão gentil e amoroso. “Com certeza, vou fracassar e ai perderei o único amigo que já tive”, pensou Willie.
– Oh, senhor – o menino pediu em seu medo –, por favor, me diga o que significa ser um amigo! Eu quero tanto aprender.
– Não aflija seu coração, irmãozinho. Eu lhe direi o tipo de amigo que sou e, então, você poderá decidir por si mesmo que tipo gostaria de ser. Willie, se eu lhe disser palavras bonitas, capazes de fazer você se sentir importante, mas não amá-lo, não serei seu amigo. Se eu compartilhar meu conhecimento com você, de forma que compreenda todos os mistérios do universo, mas não amá-lo, não serei de forma alguma seu amigo. Se eu der toda a minha comida para alimentar a sua família e cuidar de todas as suas necessidades, mas não amá-lo, não serei seu amigo.
O homem continuou:
– Irmãozinho, serei sempre paciente com você. Serei sempre gentil com você. Nunca sentirei ciúmes de seus outros amigos. Embora eu seja o único filho de meu pai, nunca tentarei ser superior. Nunca serei esnobe, nem rude. Não vou tirar vantagem de você para conseguir o que quiser. Não me irritarei a toa. Não ficarei chocado quando você me desapontar. Não me alegrarei com os seus erros, mas ficarei feliz quando você for sincero consigo. Não existe limite para o meu perdão, para aminha confiança e esperança em você, para a minha capacidade de suportar todas as provas de amizade em relação a você.
E o homem disse mais:
– Willie, ouça com atenção agora. Nunca trairei sua confiança. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará, mas eu não o esquecerei. Jamais deixarei de ser seu amigo. Irmãozinho, talvez sua memória não seja tão boa. Se você esquecer tudo, não esqueça de que há três coisas duradouras na amizade: fé, esperança e amor. E a maior delas é o amor.
Willie ouviu atentamente.
– É tão bonito, senhor – disse, balançando a cabeça. – Mas tenho medo de nunca poder ser um amigo assim. Sou muito fraco, muito feio, muito mal-humorado, muito bobo.
– Por isso lhe dei meu elixir especial, irmãozinho. Esfregue três gotas em sue coração toda noite. A primeira gota chama-se “perdão”, a segunda, “aceitação”, e a terceira, “alegria”. Faça isso e saiba que será abençoado.
Então o homem abriu seu sorriso mais amoroso e partiu. Willie correu, saltou, pulou e dançou durante todo o caminho de casa. Quando chegou, foi para seu quarto, fechou a porta e se ajoelhou ao lado da cama. Abriu a garrafa e começou a esfregar a primeira gota, o perdão para os outros, em seu coração. Era muito doloroso, pois as outras crianças o haviam magoado profundamente.
Mas logo uma coisa maravilhosa aconteceu: Willie tornara-se tão aberto pela amizade do homem que as gotas de liquido laranja não repousaram sobre o peito – na verdade, entraram em seu coração. O que normalmente levaria anos para o Espírito do homem que cura operar num coração comum aconteceu num instante no coração aberto, inocente e transparente de Willie. Toda angústia a respeito de sua perna, das grandes manchas tudo desapareceu. E Willie começou a orar alto:
– Oh, El Shaddai, meu amigo, não me deixe. Você pode pedir qualquer coisa de mim. Tudo o que desejo é você. Apenas ande a meu lado, segurando a minha mão, em razão de nossa amizade e da alegria de estarmos juntos. Mesmo que você me faça passar por uma provação a respeito da cura da minha perna e das grandes manchas, não me importarei. Ficarei contente em ser uma Truta Malhada, se apenas você estiver comigo. Lembro-me do que você disse ser o mais importante. Eu o amo, meu amigo. Faça aquilo que você quiser. Somente não me abandone. E nunca permita que eu o abandone.
Veja, depois que o Espírito do homem que cura entrou no coração de Willie e percorreu seu ser, os olhos foram abertos para perceber quanto a vida seria vazia sem seu amigo. Esse pensamento de tal modo abalou sua mente e intimidou seu coração que Willie nunca mais foi o mesmo. Mas também lhe abriu os olhos para ver que, no fundo de seu coração, ele tinha de fato somente um desejo ardente, não pelas coisas que o novo amigo havia prometido, mas pelo próprio homem que cura.
MANNING, Brennan. Convite à Loucura. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2007.
Escrito por Rodrigo Rezende em
A PARÁBOLA DO HOMEM QUE CURA
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- Rodrigo Rezende
- Um pecador que vive o Reino de Deus, através da graça de Cristo.
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