Ser pastor é uma droga!


Por Mario Freitas

Provavelmente você se interessou em ler esse artigo atraído pelo titulo. A palavra “droga” nos remete à realidade dos entorpecentes, da criminalidade que assola o Brasil. Mas a palavra “droga” – do Francês “drogue”, seco – diz respeito originalmente a recursos medicinais, os quais eram inicialmente oriundos de ervas secas. É daí que emerge o termo “drogaria”.

Num sentido mais genérico, as drogas possuem características de alterações orgânicas, dependência e proliferação. Assim é o ministério. Pelo menos o meu.

Eu e minha família estamos vivendo um tempo de transição ministerial. Por conta de tudo o que tem acontecido conosco nesse último ano, a criação da M.A.I.S. (Missão em Apoio à Igreja Sofredora) e o desenvolvimento do nosso trabalho no Haiti, vimos Deus nos direcionar a deixar o pastorado local e nos dedicar exclusivamente à gestão missionária. Assim, esse será nosso projeto a partir do próximo ano.

Esta semana estive no Haiti, tendo retornado na madrugada passada. Assim que cheguei em casa, quase 2h da manhã, minha esposa me esperava com a boa notícia do nascimento do Davi, filho de Aline e do Pr. Jhonatan, meu auxiliar nos últimos cinco anos, e que se tornará o pastor titular da igreja por conta de minha saída.

Dormi até mais tarde, exausto em razão da viagem. Quando acordei, já no meio da manhã, minha esposa me avisou do falecimento do “Seu Zé”. A notícia fora dada mais cedo, por telefone, mas ela optou por deixar-me dormir.

Quando viajei, no início da semana, Seu Zé estava muito mal de saúde, tendo sido internado. Esse irmão era um daqueles queridos, que os pastores gostam de visitar. Sofria com diabetes, a ponto de ter precisado amputar uma de suas pernas há dois anos. Mas não reclamava, sorria. Ao invés de murmurar, louvava. Vou sentir falta do Seu Zé!

Assim, depois de dormir o quanto pude, tendo recebido a notícia, almoçamos, deixamos nossa filha na casa de alguns amigos e fomos ao hospital conhecer Davi. Lindo, a cara da mãe! De lá, fomos direto ao cemitério despedir-nos de Seu Zé. Preguei no culto fúnebre, que foi marcado por comoção e saudade.

À noite, meu compromisso já previamente agendado era curioso: condensava a vida e a morte, a natalidade e a velhice. Era o aniversário de 80 anos do Presbítero Onofre, outro desses que posso chamar de amigo.

Seu Onofre é um desses presbíteros que jamais deixará de ser referência, um líder carinhoso e respeitado pela igreja. Assim que cheguei a esta cidade, Seu Onofre tornou-se meu cicerone na cidade, pelo fato de ser aposentado e ter disponibilidade. Assim, tem estado comigo em muitas de minhas atividades pastorais.

Portanto, meu dia variou entre a alegria e a tristeza, a saúde e a doença. Sim, como um casamento. E, apesar de minha opção vocacional relatada no início desse artigo, não deixo de ser pastor. Não consigo, não posso. E isso acontece por um motivo simples: o pastorado é uma droga! Minha afirmação tem por base três constatações fundamentais, as quais passo a relatar.

A primeira delas é que a droga promove alterações psico-químicas no organismo, e assim também é o ministério. Experiências pastorais como a de hoje são prova disso. Pastores podem ser como coveiros em velórios, pois a droga tira a sensibilidade. Podemos também ser palhaços em festas, pois a droga alucina. O pastorado nos leva a variar, nos leva ao devaneio. Aliás, nossas melhores articulações costumam surgir nos nossos piores delírios.

Outra constatação referente ao pastorado como droga é que ele causa dependência. Apesar de todas as mudanças ministeriais que tenho vivido, constato em dias como o de hoje que jamais deixarei de ser pastor. É amor, é zelo, mas também é vício. É vicioso sentir-se usado por Deus e necessário à igreja, principalmente quando fica claro que nada disso é por mérito humano mas por graça.

Por último, é notório que a droga, principalmente no caso dos entorpecentes, faz adeptos e contagia terceiros. Os pais conscientes preocupam-se com as companhias de seus filhos justamente porque sabem que a adolescência é tempo de vulnerabilidade, mas também porque os usuários de drogas se reproduzem. Dificilmente os drogados se drogam sozinhos: é coletivo, envolve outros.

O ministério é assim também. Alucinado, alterado e dependente, não consigo ficar assim sozinho: preciso trazer outros comigo. Por isso, os ministros que possuem um coração efetivamente pastoral produzem outros que se drogarão igualmente. Pastores verdadeiros são caçadores de vocacionados, e comumente medem seu êxito ministerial pelo seu “índice reprodutivo”.

O pastorado é uma droga. Me altera, mas sem ela eu não vivo. E quero isso para outros. Curiosa e inexplicavelmente. Amém.


Texto original aqui

Mario Freitas coordena açoes missionárias e de cunho social no Haiti.

Um comentario

  1. Anônimo says:

    A droga de ser homem é que estamos sujeitos a autoridades. Bendita autoridade do Senhor que nos envia e capacita. Obrigada.
    Edinha

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